Este é um
daqueles artigos que você reluta tanto para escrever, pensando em não magoar
ninguém, não mandar recados indiretos ou mesmo não se estressar de tanto ficar
pensando nisso. Mas nenhuma dessas atitudes deve ser impedimento para um pastor
que se importa com a obra de Deus e com o rebanho do Senhor. Um pastor que não
é perfeito, mas trabalha e torce para que suas ovelhas amadureçam, crescendo na
graça e no conhecimento do Senhor.
O fato é que
atualmente o trabalho pastoral tem sido confundido com gestão de pessoas,
administração e coaching. Mas nada tão longe da verdade. O pastor de igreja,
vocacionado para orar e ministrar a Palavra de Deus de forma expositiva e
contextualizada para uma congregação local semanalmente, apesar de estar com
uma vida cada vez mais complicada nos dias atuais, ainda é uma pessoa chamada
por Deus para expressar a vida de Jesus para sua comunidade e para a cidade
onde foi plantado.
Mas isso não
tem sido o suficiente para que as pessoas permaneçam em uma igreja. Elas saem.
Elas abandonam uma igreja local e se filiam a outra. Outros fazem pior: saem da
igreja e não retornam, ficando na condição que popularmente se nomeia
“desviado”. Mas porque isso acontece? Porque simplesmente as pessoas não
permanecem perseverantes e continuam a servir a Deus? Porque atualmente a
estatística de pessoas que abandonam a igreja institucional para viver uma fé
individualizada está aumentando cada vez mais?
Via de regra
quando isso acontece o primeiro a ser cobrado é o pastor. Porque as pessoas
saíram? O senhor não foi atrás? Porque não impediu que saíssem? Esta atitude
provoca reações diversas na vida do pastor. Já vi colegas meus dizerem que oram
para que algumas pessoas saiam de sua igreja. Outros se descabelam e imploram
para as pessoas não saírem. Outros amaldiçoam dizendo que se a pessoa sair não
será feliz e não estará fazendo a vontade de Deus em outro ministério. Alguns
ainda distribuem cargos e títulos para agradar as pessoas e elas não pensarem
mais em sair dali. E outros como eu, que após uma conversa franca e adulta
sobre o assunto, e ao constatar que a pessoa não deseja mais estar na igreja
local que fazemos parte, ora e abençoa tais irmãos, torcendo para que continuem
sua caminhada cristã em outra igreja e que continuem servindo a Deus. Aprendi
em meu ministério que é preciso deixar as pessoas partirem e serem responsáveis
por suas próprias decisões. Aliás, a igreja não é minha, é de Jesus. E quando
uma pessoa sai da comunhão, não está me desagradando. O primeiro a ser
desagradado é o próprio Jesus.
A princípio
parece algo insensível e duro. Parece que ao deixarmos alguém partir não
estamos nos preocupando com a pessoa ou com a igreja. Mas isso não é verdade. A
questão é que a igreja é formada (ou deve ser) de pessoas que voluntariamente
estão em comunhão uns com os outros pela fé em Cristo que lhes é comum. Estão
servindo a Deus em uma igreja local utilizando seus dons e talentos para a
glória de Deus e o serviço aos irmãos e à comunidade. Estão ali por causa de
Cristo, e não por causa de pastor. Se algo além de Jesus está segurando alguém
em participar de uma igreja, há algo errado. Se isso de alguma maneira é
imposto ou feito com um sentimento de obrigação, mais hora, menos hora os
problemas virão à tona. E a primeira reação é a de sair daquele local. O ser
humano é assim. Ele corta laços, ele desiste, ele abandona. É mais fácil
começar de novo do que consertar. Mas será que é isso que Deus pensa sobre sua
igreja?
Para evitar
tudo isso muitos pastores assumem uma postura a fim de impedir que as pessoas
saiam. Alguns são controladores e centralizadores mandando em tudo na vida da
ovelha sem deixar tempo pra que ela respire ou pense por si só. Outros
estabelecem um calendário de programações e eventos tão grande para que os
membros participem enfeitando com cores e títulos afirmando que isso é a
vontade de Deus e que a igreja está crescendo. Quando não os ameaça se não
estiverem presentes em tal programação. Alguns ainda assumem uma postura espiritual
e julgam os irmãos que não estão presentes nos cultos e eventos dizendo que
estão em pecado ou realizando algo que não é da vontade de Deus. Para um pastor
assim é inadmissível alguém faltar em um culto para ficar com um filho doente,
ou passear com a família após muitas semanas de trabalho sem folga. É um
controle total que exercem que sufoca. Algumas ovelhas aceitam e se submetem.
Hoje em dia a maioria não aceita e busca outro lugar em que não se sintam tão
acuados.
As
responsabilidades neste assunto são variadas. Hora é do pastor, hora é da
ovelha. Hora é porque algo está errado, hora é porque algo está certo. Hora é
porque eu gostaria que as coisas funcionassem assim, hora é porque eu não
gostaria que as coisas funcionassem assim. E o inevitável acontece. As pessoas
saem da igreja.
Vamos tentar
alinhar alguns pontos aqui para refletirmos mais sobre o assunto.
1-) As pessoas saem da igreja quando o discurso é duro
Jo 6:66-67Daquela hora em diante, muitos
dos seus discípulos voltaram atrás e deixaram de segui-lo. Jesus
perguntou aos Doze: "Vocês também não querem ir? "
- No capítulo 6 do livro de João,
Jesus afirma que é o pão da vida que desceu do céu. Ele faz uma semelhança e
uma diferenciação entre o maná que caiu do céu no deserto para o povo de Israel
matar a fome e a sua vinda a este mundo para nos dar sua carne para comer e
espiritualmente vivermos para sempre. No versículo 60 os discípulos já estão
comentando entre si: “Duro é este discurso, quem pode suportá-lo?”. Então após
falar mais um pouco ainda, Jesus afirma o texto acima: “Vocês também não querem
ir?”.
A
sensibilidade hoje em dia está a flor da pele. Temos que pisar em ovos e pensar
mil vezes antes de falar algo. Até o uso das palavras precisa ser bem pensado.
Antes fosse para melhor se expressar. Temos que tomar cuidado com o que falamos
para não ofender as pessoas. Uma simples palavra pode dar uma conotação
totalmente diferente do que gostaríamos, dependendo de quem a ouve e de como a
ouve.
O
evangelho não tem meias palavras. O conteúdo do evangelho está repleto de
palavras duras que exigem uma resposta. Pecado, arrependimento, conversão,
obediência, vontade de Deus. São estas e outras palavras que o evangelho contém
que ferem os ouvidos de muitos ouvintes hoje. Paulo já alertava a Timóteo:
2Tm 4:3-4Pois virá o tempo em que não
suportarão a sã doutrina; pelo contrário, sentindo coceira nos ouvidos, segundo
os seus próprios desejos juntarão mestres para si mesmos. Eles se
recusarão a dar ouvidos à verdade, voltando-se para os mitos.
Jesus
sabia disso e alertou seus discípulos. Será que Jesus estava sendo insensível?
Não ligava para seus discípulos? Não se importava com a obra de Deus e estava
sendo muito duro? Podemos realmente afirmar que nosso mestre e salvador é culpado
dessas acusações? Não! O evangelho é duro e exige resposta, decisão e
transformação. É verdade que ele ofende e machuca. Mas isso porque o primeiro a
ser ferido foi o próprio Deus, por causa de nossos pecados. Jesus também foi
ferido e morto por causa dos nossos pecados. Então se o discurso é duro demais,
é porque a ofensa foi dura demais. E a igreja é agência propagadora dessa
verdade, a única capaz de mudar a vida do homem. Se ela não vem com açúcar,
infelizmente você terá que engolir amargo e seco. É simples assim.
Sair
da igreja porque o discurso é duro, é procurar sarna pra se coçar e rejeitar o
verdadeiro evangelho, indo atrás de palavras doces e sensíveis. Parafraseando a
Jesus: “Vocês também não querem ir?”.
2-) As pessoas saem da igreja quando a liderança perde a credibilidade
John
Maxwell é um autor de livros de liderança que tem influenciado e formado
milhares de líderes ao redor do mundo. Sobre credibilidade ele diz:
“Credibilidade é como trocado no bolso do líder. Quando a confiança do líder é
bem vista, ele ganha trocados. Quando ele perde a confiança de seus liderados,
tem que dar trocados para reavê-la. É preciso tomar cuidado para não ficar sem
trocados no bolso”.
Muitos
líderes e pastores acham que fazem tudo sozinho. Que são indispensáveis à
igreja e sem eles as coisas não andam. Alguns são centralizadores, como já foi
mencionado, e controlam tudo e todos. Neste sentido o pastor pode até estar com
boas intenções e quer ver a igreja crescer e os irmãos serem abençoados. Mas
por outro lado acabam errando muito para tentar manter essa posição. E então
prometem e não cumprem. Falam e desfalam. Afirmam e depois negam. Geram
expectativas e depois as frustram. Isso é fatal para a perda da credibilidade.
A maioria das pessoas sai de uma igreja quando isso acontece. Alguns ficam pra
ver onde tudo vai dar e esperar o pastor sair.
A
questão principal é que na igreja tudo é coletivo. Sempre existem mais pessoas
envolvidas. E quando pessoas estão envolvidas, interesses e pensamentos
diferentes acabam surgindo. Para lidar com isso o pastor precisa de tempo, jogo
de cintura, amabilidade e persuasão para fazer com que seja entendido e que a
igreja vá na direção que ele acha o mais correto. Sem forçar e sem ameaçar.
Explicando a necessidade e orientando e treinando para que todos possam
enxergar o que ele está enxergando. A maioria dos pastores peca aqui e quando
não são ouvidos ou entendidos partem para as ameaças. E ao chegar nisso perdem
a credibilidade e o apoio das pessoas que poderiam ser abençoadas e acompanhar
o pastor em sua visão.
O
pastor ou o líder precisa fazer as coisas com calma e paciência se deseja que
muitas pessoas o acompanhem em sua caminhada. Isto leva tempo, exige
investimento e perseverança. Mas o resultado final é que a credibilidade vai
aumentar. E melhor: as pessoas ao invés de saírem da igreja, trarão outras para
participarem também.
3-) As pessoas saem da igreja quando a igreja não é mais seu quintal
Existem
muitos irmãos que se esforçam, fazem o melhor e investem tempo e dinheiro na
igreja local que fazem parte. São heróis anônimos, trabalhando nos bastidores e
ajudando o pastor a realizar a vontade de Deus. Estes devem ser honrados e
celebrados sempre que possível. Mas existem alguns na igreja que pensam que a
igreja é seu quintal. O quintal em nossa casa é onde colocamos as nossas coisas
e fazemos do nosso jeito. Deixamos lá o que queremos e tiramos de lá o que não
queremos. Assim alguns veem a igreja. É o seu quintal.
Os
eventos e programações só podem ser na data e hora que eles podem ir. O que foi
programado na igreja só poderá acontecer se ele concordar. Se ele não fizer
parte da comissão ou da liderança de tal coisa, esta não dará certo e ele será
oposição o máximo possível. Esta atitude é tão prejudicial à saúde da igreja que
vai contaminando um por um, como um vírus.
Se
estão em uma igreja que se submete a isso, onde o pastor não direciona a igreja
e deixa os membros tomarem todas as decisões pela maioria, estes irmãos ficam
na igreja e até investem tempo e dinheiro. Mas quando o pastor começa a colocar
uma visão, uma orientação diferente da que eles acreditam que deve ser o certo,
a resistência começa. Se o pastor bater o pé e continuar seguindo em sua visão,
eles serão oposição. No fim das contas das duas uma: ou o pastor sai da igreja,
ou estes irmãos saem.
4-) As pessoas saem da igreja à procura do que lhe satisfaz, o que não
encontrou aqui
O
conceito de membresia está ultrapassado. São poucas as igrejas que ainda se
preocupam em quantos membros estão no rol de membros, quem ainda não é batizado
e quem precisa ser aceito como membro. Isto ficou para trás. Hoje as campanhas
fazem parte da maioria da programação e os líderes dão ênfase para isso. Se a
pessoa está indo no culto, participando e ofertando, ok. Mas se poucas pessoas
estão indo aos cultos e participando das campanhas há uma preocupação em ir
atrás e fazer tudo para que mais pessoas venham.
Para
isso vale tudo. Principalmente dar aquilo que o povo quer. Existe um tipo de
crente que vai atrás das campanhas, dos cantores, dos pregadores, como material
de consumo. Ele vai onde mais lhe agrada não importa onde é ou quanto precise
gastar. Se uma coisa lhe traz satisfação, a pessoa vai. Existe até um público que
gosta de mensagens mais ácidas, de pregadores que pregam bravos e vociferando
juízo de Deus para a igreja. E pagarão o que for necessário para ir atrás,
comprar livros e participar de eventos de tais pessoas.
Por
causa disso a frequência em muitas igrejas é rotativa. Se faz campanha a igreja
lota. Se faz estudo bíblico ela esvazia. Se faz show gospel a igreja lota. Se
faz culto de oração ela esvazia. Se traz uma celebridade para testemunhar a
igreja lota. Se deixa o irmãozinho contar que Jesus o curou da pneumonia, a
igreja esvazia. Se o estudo é sobre Finanças ou Prosperidade, a igreja lota. Se
é sobre o livro de Romanos, a igreja esvazia. É triste, porém verdadeiro.
Este
assunto é indigesto e difícil como já disse no início. O que fazer para evitar
que as pessoas saiam? Penso que a resposta a esta pergunta é uma obsessão para
muitos pastores e líderes. Alguns fazem até gol de mão para fazer isso parar.
Os fins podem justificar os meios quando o assunto for quantidade de pessoas, porque
para alguns a quantidade de pessoas significa quantidade de valores de oferta
que podem entrar. E se este for o alvo, o objetivo de algum líder, ele vai com
certeza se empenhar nisto e deixar todo o resto para trás.
Mas
existe resposta? Os pastores e líderes que trabalham bem, seguem o que a Bíblia
diz, oram e amam sua igreja, não podem também desejar que as pessoas não saiam
de suas igrejas? É claro que sim. Aliás, é o que eles fazem. Nenhum pastor ou
líder em sã consciência deseja que pessoas saiam. Quero citar uma frase do
livro de Richard Baxter, “O Pastor
Aprovado”. Este livro é um dos mais famosos a respeito do pastoreamento,
sendo indicado até por Charles Spurgeon. Ele diz:
“Se eles se ausentarem das suas reuniões particulares, vão atrás deles
e fiquem entre eles constantemente – o mais que puderem. Repreendam com
suavidade a ilegitimidade daquilo que estão fazendo, mas lhes garantam que
estão dispostos a ouvir o que têm para dizer”.
O
conselho de Baxter vai contra a teologia pastoral da atualidade. Primeiro que muitos
pastores não vão atrás de ovelhas que estão se ausentando. Muito menos desejam
ficar entre eles constantemente, como ele afirma ser necessário. Afinal de
contas, se estão faltando é porque não querem estar em nosso meio. Outro ponto
neste conselho é repreender com suavidade. A teologia pastoral moderna ensina
que repreender sim, mas suave não! São famosos os pastores que “descem o
cajado”, frase no jargão evangeliquês que significa pregar de forma ácida e
ríspida, atacando os pecados e comportamentos das pessoas. A última parte do
conselho de Baxter é que os pastores devem estar dispostos a ouvir o que as
pessoas têm a dizer. Isso significa ouvir as desculpas ou justificativas do quê
fazem, do porquê fazem. Bem, nesta parte qualquer pastor está saturado de ouvir
desculpas para a ausência em cultos, eventos, programações ou qualquer
compromisso na igreja que alguém falte. Mas a diferença é que alguns pastores
não querem ouvir ninguém, pois não tem paciência e nem sensibilidade para
verificar o que está acontecendo com as ovelhas. Mas a verdade é que mesmo que
algum pastor mostre toda paciência e sensibilidade sugeridas por Baxter,
pessoas ainda sairão da igreja.
Bem,
penso que não existe resposta pronta para a pergunta título deste artigo. As
pessoas saem da igreja. E saem porquê? Porque sim. Porque querem. Às vezes
usando desculpas e justificativas para sair. Outras vezes simplesmente saindo e
abandonando ministérios, cargos e relacionamentos. E o pastor, o que deve
fazer? Deve ter consciência que as ovelhas não são suas, são de Jesus. Se elas
saem de sua igreja e vão para outra, elas continuam sendo ovelhas de Jesus.
Apenas mudaram de aprisco. O pastor deve ter certeza que fez o máximo possível
para não ser o motivo da saída delas. Mas se for, que ele peça perdão e seja
sincero em seu desejo de que as pessoas fiquem. Se elas saírem e voltarem para
o mundo, sem congregar em nenhuma igreja local, o pastor pode chamá-los de
volta ou insistir para que eles escolham alguma igreja para congregarem. Mas se
não quiserem, o que fazer?
Mas não deve
perder o sono por causa disso. Não deve brigar com sua esposa ou ficar mal
humorado porque recebeu famílias em seu gabinete pedindo a benção para irem
para outro ministério. O pastor deve permanecer firme em seu posto, na igreja
onde serve e continuar pregando a Palavra de Deus. E se receber alguém dizendo
que quer sair da igreja, deve colocar a mão na cabeça deles e orar:
"O Senhor
te abençoe e te guarde; o Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti e te
conceda graça; o Senhor volte para ti o seu rosto e te dê paz”.
Números 6:24 a 26.
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