Você sabe o que é DEBUG? É um processo de depuração em um código de programação, para achar erros no sistema. Cada etapa é verificada e arquivada em um relatório. Este arquivo pode ser acessado depois para ver se houve algum erro no programa e assim o programador saberá exatamente onde o programa falhou e porquê. Então ele saberá o local exato para alterar o código e aperfeiçoar seu programa.
Em
sua linha do tempo no Facebook, meu amigo Pr. Jamierson Oliveira escreveu um
artigo intitulado “Eclesiologia doente”, onde ele analisa com eficiência nossa
eclesiologia e chega à conclusão de que apesar da reunião dos crentes em um
local geográfico ser importante, nossa vida cristã não pode se resumir a uma
espiritualidade no templo. Concordo em gênero, número e grau com meu amigo.
Somando-se a isso o fato de que vivemos em uma era da pandemia, e em nosso caso
enquanto escrevo estas linhas, vivemos em nosso país uma segunda onda com 4 mil
mortos por dia.
Mas
quero aprofundar a questão neste artigo mostrando o porquê nossa eclesiologia
possa estar doente. E para isso, somente fazendo um DEBUG, depurando nossas
práticas e analisando friamente o que fazemos. Ao fazer isso precisamos
confrontar com as ordenanças do Senhor Jesus para a igreja e chegarmos a
conclusões. Vamos lá?
Para
ser breve, quero pegar emprestado os princípios de um gigante da fé. Só a sua
biografia já nos dá vergonha ao compararmos com as nossas. Seu nome era Richard
Baxter, nascido em 1615, convertido aos 15 anos na Igreja Anglicana
(Inglaterra). Já era diácono em 1639 e no ano seguinte ordenado pastor.
Trabalhou como Capelão do Exército durante a guerra civil e foi preletor
importante. Chegou a ser aprisionado por discordar da forma de culto que era
imposta na Igreja Anglicana. Mas o seu maior feito foi o tempo que foi pastor
Kidderminster entre os anos de 1647 a 1661.
Nestes quinze
anos, nesta aldeia com aproximadamente 2 mil adultos, quase todos se
converteram e viveram uma vida piedosa com suas famílias através do pastoreio
de Baxter. A ponto da igreja que cabia poucas pessoas ser reformada e
acrescentada 5 galerias, para caber as pessoas que não paravam de vir aos
cultos. Baxter também instituiu o culto doméstico diário, e o lar se tornou o
lugar onde Deus era adorado, onde os membros da família eram respeitados como
santos e onde a Palavra de Deus era continuamente ouvida e proclamada.
O
efeito do trabalho de Baxter e da piedade dos crentes se via ao caminhar pelas
ruas da pequena aldeia. Nos dias de Culto não se via desordem nas ruas.
Podia-se ouvir centenas de família louvando e orando ao Senhor em seus cultos
familiares. Baxter visitava todas as famílias, aproximadamente 800, pelo menos
1 vez ao ano. Para isso tinha que visitar de 7 a 8 por dia. E suas visitas não
eram casuais ou infrutíferas. Era para ensinar a Palavra, tirar dúvidas e fazer
perguntas quanto à vida e entendimento das pessoas em relação a Palavra de
Deus.
E
os ensinamentos não eram palavras motivacionais, mas sim doutrinas bíblicas e
teológicas, que estavam na boca das famílias e eram o assunto na hora do
almoço, jantar e no dia a dia de todos. Em suas palavras vemos a ênfase de seu
ministério: “Hoje, a tarefa de ensinar a
verdade cristã tem sido reduzida ao mínimo. A pergunta geralmente não é: quanto
preciso ensinar. Mas sim: qual é o mínimo que posso ensinar?”. Baxter disse
isso em 1640!!
Quando
Baxter deixou o local, além de ter uma aldeia inteira cheia do temor de Deus e
estudiosa de sua Palavra, ainda gerou 7 bons pregadores que poderiam continuar
seu trabalho. 100 anos depois, em 1743, George Whitefield, famoso evangelista
do Despertamento passou pela aldeia de Kidderminster na Inglaterra e relatou: “Senti-me grandemente reanimado ao descobrir
que um doce sabor da doutrina, das obras e da disciplina do Sr. Baxter tem
permanecido até hoje”
Então
resumindo, vamos elencar os principais pontos do ministério de Baxter, ou seja,
o que ele ensinou e praticou que tanta diferença fez na vida dos crentes de sua
época:
- Ensino da Palavra no Templo
- Culto doméstico em cada família
- Visitas periódicas a todos os
membros, não apenas aos doentes e necessitados
- Ensino sistemático e profundo
da Palavra de Deus, incluindo doutrinas teológicas
Claro
que existem muito mais coisas envolvidas, mas para uma breve análise vamos
ficar com estes 4 pontos e assim debugar nossa eclesiologia comparando com a da
época de Baxter. Senão vejamos:
- Ensino da Palavra no Templo –
O relato histórico declara que o templo que abrigava poucas pessoas ficou
pequeno e teve que ser ampliado. Mas as pessoas iam ao templo para ouvir a
Palavra de Deus. Em uma época sem instrumentos eletrônicos, nem luzes e nem
internet para transmitir os cultos. A atração principal era a Palavra. E hoje?
As pessoas lotam os nossos templos para ouvir a Palavra de Deus? Qual o público
que conseguimos reunir em um culto se anunciarmos que a mensagem será sobre “A doutrina da Adoção em Romanos”?
Alguns ao lerem meu enunciado nem sequer sabem do que estou falando. Como isso
pode ser? Aprendemos técnicas e linguagens difíceis em nossas profissões e
matérias na faculdade que cursamos. Nomes científicos e equações complexas. Mas
se aprofundar na Palavra de Deus é complicado, achamos. Desnecessário alguns
dizem. A letra mata, outros vão dizer. E aqui vemos então nosso primeiro bug. A
igreja Brasileira é rasa na Palavra de Deus.
- Culto doméstico em cada família
– O culto doméstico é uma prática em algumas igrejas brasileiras. Das
mais históricas até as mais pentecostais. Principalmente os mais velhos batem
nesta tecla há anos. Sempre disseram que é saudável termos um culto doméstico
em nossa família. Muitas igreja também entraram em alguma Visão Celular, ou de
Pequenos Grupos, onde uma reunião regular de crentes em uma casa acontece e a
Palavra de Deus é pregada e a comunhão é exercida. Mas a verdade é que no
Brasil este processo sempre foi criticado, mal visto, e até combatido por
muitos. Alguns simplesmente não querem abrir suas casas. Mas a verdade é que
igrejas foram plantadas, pessoas foram discipuladas, tudo baseado na idéia da
reunião doméstica. E aqui vemos mais um bug da nossa eclesiologia. Apenas
agora, em plena Pandemia, sem nenhuma outra alternativa, nos vemos obrigados a
reconhecer a importância e a benção que é se reunir em casa com nossas famílias
e cultuar a Deus. Alguns crentes nunca tinham feito culto doméstico antes da
pandemia! Mesmo cientes dos textos de Atos 2 e Atos 4. Mais um bug pro nosso
relatório de erros.
- Visitas periódicas – A prática de visitas de um pastor à suas
ovelhas sempre foi uma expectativa dos crentes em geral. Muitos ficam contentes
com a visita de seu pastor. Outros ficam surpresos e já desconfiam se o pastor
vai pedir algo ou se eles estão em pecado, ou fizeram algo errado. Enfim a
questão da visita na igreja brasileira não é bem resolvida. Muitos pastores
simplesmente negligenciam esta ferramenta e só visitam quando alguém está
doente ou necessitado. E não tem pudor nenhum em afirmar que não vão ficar
visitando ninguém, incomodando em suas casas, afinal a pessoa já trabalha o dia
inteiro e não quer ser incomodado pelo pastor em seu descanso. Ledo engano. Uma
porcentagem muito pequena de cristãos diriam não gostar de uma visita pastoral.
Se sentem amados, lembrados e vistos. Baxter sabia disso. E mesmo que guardemos
as devidas proporções pela diferença de época em que ele vivia e hoje,
desprezar as visitas aos membros, e mesmo as visitas de irmãos para irmãos é um
grande erro e soma mais um bug para nossa eclesiologia. Se você está duvidando
disso é só pensar comigo: Agora em plena pandemia, queremos visitar as pessoas
que amamos e não podemos. Se você pudesse voltar no tempo e visitar mais do que
antes, você não faria?
- Ensino sistemático e profundo da Palavra de Deus – por último,
mas não menos importante pensemos no Ensino da Palavra de Deus. Mas não estou
falando de ensino de revista de EBD apenas, ou de comentários do sermão do
pastor de domingo. Estou falando dos crentes criaram o hábito de ler e estudar
teologia. Aprender e recitar aquilo que crê. Compreender as doutrinas bíblicas
e saber demonstrá-las para quem perguntar. Você querido leitor que é cristão,
pode explicar em poucas palavras o que é a Trindade? Pode explicar como é que
Jesus é 100% Deus e ao mesmo tempo 100% homem? Pode citar 1 versículo que diga
literalmente que o Espírito Santo é Deus? Sabe quem são os personagens Jeú,
Amazias e Mefibosete? Pode resumir a vida deles em poucas palavras? Já disse
aqui e posso repetir: A igreja Brasileira é rasa na Palavra de Deus. Se ao ler
minhas perguntas você se convenceu que este tipo de conhecimento é inútil para
nós e não há necessidade de se preocupar com isso, você é a prova de mais um
bug da eclesiologia brasileira.
Finalizando
meus pensamentos, não culpo ninguém em especial e nem quero aqui colocar um
peso nos ombros de ninguém. Ao mesmo tempo também me incluo, pois faço parte
desta igreja brasileira e mais, sou pastor e professor de teologia, portanto
formador de opinião neste meio. Mas é fato que a liderança evangélica,
principalmente nós pastores, temos deixado muito a desejar para que esta nossa
eclesiologia tenha ficado doente e cheia de bugs.
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