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quarta-feira, 7 de abril de 2021

DEBUGANDO A NOSSA ECLESIOLOGIA


Você sabe o que é DEBUG? É um processo de depuração em um código de programação, para achar erros no sistema. Cada etapa é verificada e arquivada em um relatório. Este arquivo pode ser acessado depois para ver se houve algum erro no programa e assim o programador saberá exatamente onde o programa falhou e porquê. Então ele saberá o local exato para alterar o código e aperfeiçoar seu programa.

                Em sua linha do tempo no Facebook, meu amigo Pr. Jamierson Oliveira escreveu um artigo intitulado “Eclesiologia doente”, onde ele analisa com eficiência nossa eclesiologia e chega à conclusão de que apesar da reunião dos crentes em um local geográfico ser importante, nossa vida cristã não pode se resumir a uma espiritualidade no templo. Concordo em gênero, número e grau com meu amigo. Somando-se a isso o fato de que vivemos em uma era da pandemia, e em nosso caso enquanto escrevo estas linhas, vivemos em nosso país uma segunda onda com 4 mil mortos por dia.

                Mas quero aprofundar a questão neste artigo mostrando o porquê nossa eclesiologia possa estar doente. E para isso, somente fazendo um DEBUG, depurando nossas práticas e analisando friamente o que fazemos. Ao fazer isso precisamos confrontar com as ordenanças do Senhor Jesus para a igreja e chegarmos a conclusões. Vamos lá?

                Para ser breve, quero pegar emprestado os princípios de um gigante da fé. Só a sua biografia já nos dá vergonha ao compararmos com as nossas. Seu nome era Richard Baxter, nascido em 1615, convertido aos 15 anos na Igreja Anglicana (Inglaterra). Já era diácono em 1639 e no ano seguinte ordenado pastor. Trabalhou como Capelão do Exército durante a guerra civil e foi preletor importante. Chegou a ser aprisionado por discordar da forma de culto que era imposta na Igreja Anglicana. Mas o seu maior feito foi o tempo que foi pastor Kidderminster entre os anos de 1647 a 1661.

Nestes quinze anos, nesta aldeia com aproximadamente 2 mil adultos, quase todos se converteram e viveram uma vida piedosa com suas famílias através do pastoreio de Baxter. A ponto da igreja que cabia poucas pessoas ser reformada e acrescentada 5 galerias, para caber as pessoas que não paravam de vir aos cultos. Baxter também instituiu o culto doméstico diário, e o lar se tornou o lugar onde Deus era adorado, onde os membros da família eram respeitados como santos e onde a Palavra de Deus era continuamente ouvida e proclamada.

                O efeito do trabalho de Baxter e da piedade dos crentes se via ao caminhar pelas ruas da pequena aldeia. Nos dias de Culto não se via desordem nas ruas. Podia-se ouvir centenas de família louvando e orando ao Senhor em seus cultos familiares. Baxter visitava todas as famílias, aproximadamente 800, pelo menos 1 vez ao ano. Para isso tinha que visitar de 7 a 8 por dia. E suas visitas não eram casuais ou infrutíferas. Era para ensinar a Palavra, tirar dúvidas e fazer perguntas quanto à vida e entendimento das pessoas em relação a Palavra de Deus.

                E os ensinamentos não eram palavras motivacionais, mas sim doutrinas bíblicas e teológicas, que estavam na boca das famílias e eram o assunto na hora do almoço, jantar e no dia a dia de todos. Em suas palavras vemos a ênfase de seu ministério: “Hoje, a tarefa de ensinar a verdade cristã tem sido reduzida ao mínimo. A pergunta geralmente não é: quanto preciso ensinar. Mas sim: qual é o mínimo que posso ensinar?”. Baxter disse isso em 1640!!

                Quando Baxter deixou o local, além de ter uma aldeia inteira cheia do temor de Deus e estudiosa de sua Palavra, ainda gerou 7 bons pregadores que poderiam continuar seu trabalho. 100 anos depois, em 1743, George Whitefield, famoso evangelista do Despertamento passou pela aldeia de Kidderminster na Inglaterra e relatou: “Senti-me grandemente reanimado ao descobrir que um doce sabor da doutrina, das obras e da disciplina do Sr. Baxter tem permanecido até hoje”

 

                Então resumindo, vamos elencar os principais pontos do ministério de Baxter, ou seja, o que ele ensinou e praticou que tanta diferença fez na vida dos crentes de sua época:

- Ensino da Palavra no Templo

- Culto doméstico em cada família

- Visitas periódicas a todos os membros, não apenas aos doentes e necessitados

- Ensino sistemático e profundo da Palavra de Deus, incluindo doutrinas teológicas

                Claro que existem muito mais coisas envolvidas, mas para uma breve análise vamos ficar com estes 4 pontos e assim debugar nossa eclesiologia comparando com a da época de Baxter. Senão vejamos:

- Ensino da Palavra no Templo – O relato histórico declara que o templo que abrigava poucas pessoas ficou pequeno e teve que ser ampliado. Mas as pessoas iam ao templo para ouvir a Palavra de Deus. Em uma época sem instrumentos eletrônicos, nem luzes e nem internet para transmitir os cultos. A atração principal era a Palavra. E hoje? As pessoas lotam os nossos templos para ouvir a Palavra de Deus? Qual o público que conseguimos reunir em um culto se anunciarmos que a mensagem será sobre “A doutrina da Adoção em Romanos”? Alguns ao lerem meu enunciado nem sequer sabem do que estou falando. Como isso pode ser? Aprendemos técnicas e linguagens difíceis em nossas profissões e matérias na faculdade que cursamos. Nomes científicos e equações complexas. Mas se aprofundar na Palavra de Deus é complicado, achamos. Desnecessário alguns dizem. A letra mata, outros vão dizer. E aqui vemos então nosso primeiro bug. A igreja Brasileira é rasa na Palavra de Deus.

- Culto doméstico em cada família – O culto doméstico é uma prática em algumas igrejas brasileiras. Das mais históricas até as mais pentecostais. Principalmente os mais velhos batem nesta tecla há anos. Sempre disseram que é saudável termos um culto doméstico em nossa família. Muitas igreja também entraram em alguma Visão Celular, ou de Pequenos Grupos, onde uma reunião regular de crentes em uma casa acontece e a Palavra de Deus é pregada e a comunhão é exercida. Mas a verdade é que no Brasil este processo sempre foi criticado, mal visto, e até combatido por muitos. Alguns simplesmente não querem abrir suas casas. Mas a verdade é que igrejas foram plantadas, pessoas foram discipuladas, tudo baseado na idéia da reunião doméstica. E aqui vemos mais um bug da nossa eclesiologia. Apenas agora, em plena Pandemia, sem nenhuma outra alternativa, nos vemos obrigados a reconhecer a importância e a benção que é se reunir em casa com nossas famílias e cultuar a Deus. Alguns crentes nunca tinham feito culto doméstico antes da pandemia! Mesmo cientes dos textos de Atos 2 e Atos 4. Mais um bug pro nosso relatório de erros.

- Visitas periódicas – A prática de visitas de um pastor à suas ovelhas sempre foi uma expectativa dos crentes em geral. Muitos ficam contentes com a visita de seu pastor. Outros ficam surpresos e já desconfiam se o pastor vai pedir algo ou se eles estão em pecado, ou fizeram algo errado. Enfim a questão da visita na igreja brasileira não é bem resolvida. Muitos pastores simplesmente negligenciam esta ferramenta e só visitam quando alguém está doente ou necessitado. E não tem pudor nenhum em afirmar que não vão ficar visitando ninguém, incomodando em suas casas, afinal a pessoa já trabalha o dia inteiro e não quer ser incomodado pelo pastor em seu descanso. Ledo engano. Uma porcentagem muito pequena de cristãos diriam não gostar de uma visita pastoral. Se sentem amados, lembrados e vistos. Baxter sabia disso. E mesmo que guardemos as devidas proporções pela diferença de época em que ele vivia e hoje, desprezar as visitas aos membros, e mesmo as visitas de irmãos para irmãos é um grande erro e soma mais um bug para nossa eclesiologia. Se você está duvidando disso é só pensar comigo: Agora em plena pandemia, queremos visitar as pessoas que amamos e não podemos. Se você pudesse voltar no tempo e visitar mais do que antes, você não faria?

- Ensino sistemático e profundo da Palavra de Deus – por último, mas não menos importante pensemos no Ensino da Palavra de Deus. Mas não estou falando de ensino de revista de EBD apenas, ou de comentários do sermão do pastor de domingo. Estou falando dos crentes criaram o hábito de ler e estudar teologia. Aprender e recitar aquilo que crê. Compreender as doutrinas bíblicas e saber demonstrá-las para quem perguntar. Você querido leitor que é cristão, pode explicar em poucas palavras o que é a Trindade? Pode explicar como é que Jesus é 100% Deus e ao mesmo tempo 100% homem? Pode citar 1 versículo que diga literalmente que o Espírito Santo é Deus? Sabe quem são os personagens Jeú, Amazias e Mefibosete? Pode resumir a vida deles em poucas palavras? Já disse aqui e posso repetir: A igreja Brasileira é rasa na Palavra de Deus. Se ao ler minhas perguntas você se convenceu que este tipo de conhecimento é inútil para nós e não há necessidade de se preocupar com isso, você é a prova de mais um bug da eclesiologia brasileira.

                Finalizando meus pensamentos, não culpo ninguém em especial e nem quero aqui colocar um peso nos ombros de ninguém. Ao mesmo tempo também me incluo, pois faço parte desta igreja brasileira e mais, sou pastor e professor de teologia, portanto formador de opinião neste meio. Mas é fato que a liderança evangélica, principalmente nós pastores, temos deixado muito a desejar para que esta nossa eclesiologia tenha ficado doente e cheia de bugs.

                Oremos ao Senhor para que este tempo de pandemia seja um tempo de reflexão, redenção e resgate dos valores mais básicos do Evangelho. E se precisamos de exemplos basta lembrarmos que estamos na verdade em cima dos ombros de grandes gigantes da fé, como Baxter que citei. Se está difícil e não sabemos por onde começar, voltemos às origens, ao início, ao primeiro amor e resgatemos as primeiras obras. Quem sabe poderemos depurar ao máximo nossa eclesiologia e eliminar todos os bugs. Eu creio que é possível. E você?

Pr. Leandro Silva